por Sílvia Caneco, Publicado em 15 de Maio de 2009, in ionline
Em 50 anos de história, muitas histórias já passaram pelo Cristo Rei. Até aquelas que não são verdade. De repente, há o dia em que alguém se lembra de dizer que beijou os pés do Cristo Rei (a estátua do Cristo Rei não tem pés), que o escalou num elevador panorâmico ou que já escreveu postais sentado nos seus braços. "No outro dia até me perguntaram: Mas agora não se pode ir aos olhinhos?? A senhora teimava a pés juntos que antes o Cristo tinha lá umas varandinhas nos olhos", conta Fernanda, 45 anos, andar trapalhão de braços a dar a dar, baixinha e roliça.
Há 20 anos a trabalhar no Santuário do Cristo Rei, Fernanda conhece todas as histórias de elevador. Há mais das divertidas e muitas repetem-se. Há as tristes, das duas pessoas que olharam Lisboa pela última vez a partir do local e há aquelas que nem pode contar: "Até o Cristo corava. São bacoradas muito feias."
Quatro euros, uma viagem de elevador, mais 59 degraus de escada estreita, curva e com corrente de ar, mais um lance de escadas e surge Cristo. Enorme e imponente, coração com quase dois metros, de braços abertos para Lisboa, 113 metros acima do nível do Tejo, ao lado das nuvens.
"Magnífico, magnífico! É a coisa mais bonita que já vi", exclama uma americana de bengala, olhos arregalados e mãos à volta da boca.
A amiga, de cabelos cinza pelos ombros, interrompe e aponta para a estátua: "Vê, parece mesmo que se mexe e vai cair para cima de nós quando as nuvens passam." E por momentos esquecem os jornalistas, os amigos e os maridos: "O Cristo tem uma lâmpada vermelha em cada mão", diz a de bengala. "Deve ser para os aviões não lhe baterem", responde a outra.
O grupo de amigos de São Francisco já esteve em Portugal mas, pela primeira vez, resolveu visitar o santuário antes de seguir para as praias da costa alentejana. São americanos e todos concordam: "Muito melhor do que a Estátua da Liberdade. Não tem comparação possível."
Kay Chan, de Singapura, está maravilhada. O namorado, André Yong, já experimentou mil posições incómodas - de cócoras, de barriga para baixo, ajoelhado de pescoço completamente esticado para trás - e mesmo com uma câmara com tripé ainda não conseguiu enquadrar o Cristo Rei na fotografia. Mas Kay não o deixa desistir. "Não percebo. Estivemos horas numa fila para a Torre Eiffel e aqui está vazio, quando é muito mais bonito", diz Kay.
Filipe, colete impermeável, óculos Ray-ban, usou o "melhor miradouro sobre Lisboa" para mostrar a cidade à namorada brasileira. "Já vim cá várias vezes." E baixa o tom de voz para dizer quase em surdina: "Não lhe diga nada, mas não há melhor sítio para engatar as miúdas."
Apesar da imagem esmagadora de Cristo, imenso sobre a ponte e sobre o Tejo, o monumento não é o que todos esperam. "Não dá para trepar a estátua e ver tudo lá de cima", como uma adolescente que se entretém a ver o elevador subir e descer reclama no final da visita de estudo. Ou para "subir à cabeça", como queria um rapaz de calções, pernas inchadas e óculos vermelhos de plástico. Ou "tocar nos braços", ou "ver o Cristo Rei por dentro", como muitos dos que passam na loja de recordações contestam. A grande desilusão é essa: mesmo lá em cima, apenas se pode olhá-lo de baixo.
"Às vezes sobem aquelas escadas antes de entrarem na loja e dizem ?já estamos nos braços?. Quando chegam lá acima e percebem que não vão conseguir sequer tocar nos braços ficam desiludidos", diz Elisa, funcionária da loja de souvenirs onde, num expositor de produtos tradicionais portugueses, se vendem frascos de pimenta rosa e verde ao lado de azeite, vinho do porto, latas de atum e galos de Barcelos.
Elisa, óculos redondos de aros dourado e testa alongada, trabalha no santuário há 49 anos. Começou um ano depois de o monumento ter sido inaugurado, a 17 de Maio de 1959, perante a imagem de Nossa Senhora de Fátima, a radiomensagem do Papa João XXIII, o olhar de 300 mil pessoas e voos turísticos da TAP de 45 minutos a 100 escudos por pessoa.
À porta, a capela de Cristo Rei tornou--se um lugar de andaimes e pedreiros. Maria José ajoelha-se, coloca as mãos atrás das orelhas e reza. Está compenetradíssima, como se os berbequins não trabalhassem e o vento, incontrolável, não soprasse um som sinistro. Nasceu na avenida abaixo e quase todos os dias vem ao santuário. "É um espaço de reencontro, aqui tenho paz e é à borla." À caixa com "as palavras de Deus" chegam pedidos estranhos: "Que livres o meu homem das pecadoras e das más companhias."
De noite, uma procissão partiu do Terreiro do Paço para prestar homenagem ao Cristo Rei
Enquanto em Paris se sobe à Torre Eiffel para apreciar a vista, em Lisboa, apesar do Castelo, o grande miradouro é, há meio século, o Cristo Rei. A 17 de Maio, este ex-líbris lisboeta, que é também um símbolo nacional, comemora 50 anos.
Construído em 1959, foi fruto da vontade do cardeal patriarca de Lisboa de então, D. Manuel G. Cerejeira, que, ao visitar, em 1934, o Rio de Janeiro, se inspirou pela estátua do Cristo Redentor. Juntou-se, mais tarde, um voto do Episcopado Português, que, em Fátima, deixou a promessa de construir o monumento se Portugal não se envolvesse na 2ª Guerra Mundial. Assim foi. Elevado a 113 metros de altura do nível do Tejo e com 28 metros, o Cristo Rei inclui capelas e uma sala de exposições, e funciona como miradouro e santuário, destino de peregrinações.
50 anos de mudanças
Nos últimos 50 anos, o Cristo Rei viu Lisboa mudar. Assistiu à chegada da democracia, do metropolitano, à construção da ponte Vasco da Gama e das torres das Amoreiras e conheceu 13 presidentes de Câmara só do lado de Lisboa. Concorreu às Sete Maravilhas de Portugal e recebeu uma «saia» de publicidade luminosa no Natal.
O reitor do Santuário, o padre Sezinando Alberto, salientou as principais mudanças que ocorreram durante a sua vida: foi construído um edifício de acolhimento para a comunidade religiosa e grupos de retiros, uma cafetaria e zona de merendas, e está em construção um miradouro.
Para celebrar o cinquentenário, serão muitas as actividades. Nos dias 16 e 17 são esperadas visitas de todos os bispos portugueses, do Presidente da República, da imagem de Nossa Senhora e relíquias de Santa Margarida. Haverá celebrações em igrejas e espaços públicos de Lisboa e Almada. Serão ainda lançados livros e um concurso de arte. Porque, afinal, este «é um santuário nacional».
As comemorações do cinquentenário do Cristo Rei vão obrigar a restrições à circulação automóvel no interior de Almada e nos acessos ao Santuário. Em resposta, a Fertagus, o Metro Sul do Tejo e a Transtejo reforçaram a oferta e criaram um Bilhete Único Diário válido para um número ilimitado de viagens. De acordo com a Fertagus, são esperados 200 000 peregrinos nos dias 16 e 17 deste mês.
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